“A Noite da Esfinge”, meu oitavo romance, já está disponível

A versão digital do meu oitavo romance, “A Noite da Esfinge”, também está disponível a partir de hoje. Ao longo do dia, até amanhã, o e-book ficará disponível para download gratuito. Para aqueles que compraram a versão impressa durante a pré-venda, os exemplares estarão sendo enviados hoje e em breve devem chegar aos seus destinos. Mais uma vez agradeço a todo mundo que colaborou com esse projeto.

Sinopse: Selma, uma mulher de meia idade, e sua mãe, uma senhora que necessita de cuidados especiais, mudam-se para um apartamento onde recentemente morreu uma senhora que deixou para trás seus inúmeros gatos, os quais, misteriosamente, desapareceram após a morte da dona. Com o passar dos dias na nova casa, Selma começa a receber a visita de gatos que surgem em sua janela, e logo os acolhe. No entanto, esse não se trata do único evento peculiar que ocorre à nova moradora. Barulhos nas paredes, um comportamento atípico dos vizinhos e a constante sensação de estar sendo observada somam-se a bizarros sonhos que Selma passa a experimentar desde o momento em que chega ao apartamento. A partir de um vórtice que vagueia entre o surreal e o macabro, a realidade vai ficando turva e intangível, levando Selma a duvidar da sua própria sanidade.

O link do e-book está AQUI.

Alguns trechos do livro e outras informações estão AQUI.

A Noite da Esfinge (Pré-venda)

Hoje começa a pré-venda do meu novo livro, “A Noite da Esfinge”, e ela irá até o dia 31/07. Quem tiver interesse em adquirir um exemplar impresso pode entrar em contato comigo por aqui: <<victorbarbosa2828@gmail.com>>

Os livros adquiridos durante a pré-venda serão enviados no dia do lançamento, que será dia 05 de setembro. Nesse dia, ficará disponível também a versão em e-book.

Os dois primeiros capítulos podem ser lidos AQUI.

“A Noite da Esfinge” nasceu como ideia para um giallo, depois algo não tão próximo disso, mas ainda preservando um tipo de essência. O que acabou saindo no fim foi o texto mais simples que eu consegui escrever, nenhum conceito, nenhuma ambição rigorosa. Acabou sendo uma história para passar o tempo, talvez.
É que andei meio fascinado, um tempo atrás, com o tarô, mais especificamente o de Marselha. Disso eu acabei pulando para a Thelema, depois de ler “O livro da Lei”, do Aleister Crowley, desenvolvedor dessa filosofia religiosa. No fim, isso tudo acabou se resumindo a algo muito pequeno dentro do livro, podendo ser percebido mais como um pano de fundo do que de fato uma inspiração, mas ainda assim fazendo parte de uma possível essência.
A verdade é que fui pulando de um ponto de partida a outro até chegar num destino bem diferente daquilo que eu tinha como meta quando comecei a pensar sobre o livro.

Para quem tiver ficado interessado, a versão impressa do livro estará com encomenda disponível até o dia 31 deste mês. Após esse período o livro estará disponível na versão digital a partir do dia de seu lançamento (05/09/2022).

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Romance
226 páginas
Lançamento: 05/09/2022

Outro trecho do livro novo

            Era uma noite de frio terrível. O corpo do animal estava estirado no chão, patas esticadas e olhos abertos fitando o vazio. As formigas já começavam a invadir sua boca e se aproveitar do sumo cadavérico que surgia dos mais minuciosos poros. Foi uma morte violenta, com requintes de crueldade, certamente. As marcas dos golpes, provavelmente de uma barra de ferro ou enxada, ainda se faziam perceptíveis mesmo de uma distância considerável da cena. As pegadas de sangue que circundavam o corpo eram grandes. O caminho que o sangue quase seco percorria era um cimento invadido em um ponto ou outro pelas gramíneas que cresciam sem serem interrompidas. Por vezes o vento fazia dançar a pelagem do cadáver. Nenhuma lua testemunha do ato, mas grandes nuvens chumbosas com suas caras abertas. E a única luz que se projetava sobre o ponto onde estava o cadáver era a de um poste da rua, uma luz que piscava vez ou outra seu tom amarelado. Duas mulheres se aproximaram e começaram a observar o corpo no chão, pendiam a cabeça para o lado como um cachorro tentando compreender um som desconhecido. Olhavam sem espanto e com as rugas de seus rostos pouco se mexendo, apenas tornando-se conscientes de sua presença numa quase expressão de dúvida. As mulheres respiraram fundo e, em seguida, agacharam-se as duas próximas ao corpo, percorrendo, ambas, ao mesmo tempo, as palmas de suas mãos sobre a pelagem do animal. Entreolharam-se. Uma apanhou uma faca de cozinha de dentro de seu casaco. A outra retirou de uma sacola de pano que carregava consigo feito bolsa um vasilhame guardando um líquido transparente. Sem premeditações, a faca deslizou pela barriga do cadáver e criou uma fenda carnosa pela qual se descobriram os órgãos ainda molhados e que foram arrancados um a um com muito cuidado, sendo colocados em seguida no vasilhame que continha o líquido. Estavam ali fígado, intestinos, rins, estômago, pâncreas, pulmões e coração – e, ao pegá-lo nas mãos, este último, era como se ainda pulsasse, ou se recobrasse de seu pulsar, fortalecido, querendo atirar-se daquela mão que o possuía por um brevíssimo instante de cuidado. E logo, o coração, enganado em pulsar – ou se pensar pulsante –, encontrava-se no mesmo recipiente que os outros órgãos quase vivos, mergulhados na pergunta líquida do vasilhame. A mulher que portava a faca limpou o sangue a deslizar no gume usando sua própria roupa, um vestido que chegava pouco mais abaixo dos joelhos, guardando, logo em seguida, o utensílio de volta no bolso do casaco que cobria o vestido. Depois disso, retirou de outro bolso uma agulha grossuda e uma linha igualmente grossa, começando a costurar a fenda que havia sido aberta na barriga do animal. Não demorou muito para que o curativo ficasse pronto. As mulheres então se levantaram e respiraram fundo, não se sabe se por cansaço, pela idade ou se pela sensação de se deparar com um cadáver e não poder retirar dele uma resposta, uma explicação, como se olhar os olhos naquela cara não fosse suficiente para imaginar e reinterpretar seu brilho quando vivas as duas esferas. As mulheres, uma carregando o corpo e a outra o vasilhame cheio, caminharam pelo mesmo cimento invadido pelas gramíneas e chegaram até um terreno baldio ali próximo, onde um matagal confundia a vista sobre o que havia por trás dele. A cidade como pano de fundo ainda espalhava seus pontos luminosos no breu que a partir daquele ponto era um refúgio, ou um esconderijo. As mulheres então adentraram o matagal e, após alguns metros, começaram a cavar com as próprias mãos uma cova num ponto do terreno que não podia sequer ser vislumbrado da rua. Ainda que a escuridão se projetasse ali como abrigo e que a luz mais próxima não chegasse no chão, as formigas percorriam seu trajeto noturno e outros pequenos insetos pousavam nos restos da terra, nas pedrinhas no caminho, e uma vida muito secreta e silenciosa se desvelava debaixo do manto da noite, onde tudo o que era pequeno podia ser grande, ignorando sua forma, ignorando todos os sons e toda luz. A cova logo estava pronta para receber o cadáver; fez-se um buraco não muito fundo, de modo que o corpo poderia se decompor mais rapidamente. Com as mãos ainda barrentas, uma das mulheres pegou o cadáver como se o embalasse e o colocou na cova, sussurrando a ele um secreto sem voz. Em seguida começaram a pegar a terra com as mãos em concha e a despejá-la sobre o cadáver, que aos poucos foi desaparecendo até não restar mais nenhum ponto de seu corpo à mostra. Após cobrirem a cova e se certificarem de que o local estava coberto o suficiente pelo mato ao redor, as mulheres então voltaram, com passos apressados, para o lugar de onde vieram, ainda que a rua estivesse deserta e não houvesse como ninguém as observar de onde elas estavam.

Trecho do livro novo

            Quando a encontraram, seu corpo já estava em avançado estado de decomposição; as costas das mãos haviam sido comidas pelo que disseram ser ratos, os gatos dela jamais fariam isso com ela. Nem mesmo se estivessem presos junto do corpo há dias e morrendo de fome? Não, ainda assim, não, eles poderiam muito bem ter saído dali, e, de fato, foi o que fizeram, todos eles, não havia sobrado nenhum. Os pelos ainda estavam por toda parte, mas os gatos haviam abandonado o apartamento sem vestígios; ninguém soube para onde foram e que destino tomaram após a morte da dona, uma velha muito querida por todos do prédio, sempre vinha ao pátio conversar com os vizinhos, compartilhar rotinas e aguar as plantas que eram muito grandes para deixar na janela do apartamento e por isso deixava no pátio. Quando adoeceu e já estava impossibilitada de subir e descer as escadas, ficava à janela, acenando para quem passava e conversando com os vizinhos das janelas ao redor. Ela estava ali antes de todos os outros moradores, talvez tenha chegado quando o prédio ainda era novo, havia boatos de que ele tinha sido construído no final dos anos quarenta, logo após a Segunda Guerra, mas muitas pessoas, incluindo o zelador, diziam que, na verdade, o prédio já estava de pé décadas antes da guerra. O Vila Real era um prédio de quatro andares, sem elevador, vários corredores conectando os blocos e um pequeno pátio no centro que podia servir de vista para aqueles apartamentos que não tinham nenhuma janela que dava para a rua. Apesar de muito escuro e gelado em dadas épocas do ano, o lugar estava bastante conservado e havia passado por poucas reformas ao longo do tempo, apenas questões básicas, por exemplo, a instalação de uma rede de esgoto melhor e as trocas de fiação, que vez ou outra dava algum problema, como luzes que não acendiam em determinados cômodos ou que queimavam com uma maior frequência que o normal. Além disso, o prédio estava localizado em uma área considerada privilegiada da cidade, na Santa Cecília, próximo de mercados, farmácias, a feira aos sábados, bares e padarias, e, recentemente, um pet shop. O que acabou afastando muitos moradores e possíveis moradores foi o fato de alguns apartamentos não terem um banheiro, o que forçava aqueles que o alugavam a usar o banheiro comunitário localizado ao fim do corredor do térreo, próximo à escada que levava ao pátio. Com a oferta e a procura crescendo no bairro, vários prédios novos sendo erguidos, alguns com quitinetes melhores e, inclusive, com banheiro e uma boa fiação, o que atraiu estudantes que não tinham como custear um apartamento maior e mobiliado, a não ser que alugassem um quarto em uma pensão, o prédio em questão acabou ficando cada vez mais desvalorizado e muitos de seus apartamentos ficaram vagos, os que se mantiveram ocupados foram aqueles nos quais estavam moradores de longa data e que serviam praticamente como um histórico familiar. Sendo assim, a maioria dos moradores ali era de pessoas com uma idade mais avançada, quando alguma criança ou jovem aparecia eram filhos e netos dos moradores habituais. Agora, além de toda a desvalorização do lugar e das condições nas quais ele se encontrava, o fato de uma velha ter morrido da forma como morreu nas dependências do prédio fazia com que as poucas pessoas que se interessavam em alugar um apartamento por ali mudassem rapidamente de ideia. Algumas famílias tentaram vender os apartamentos que tinham, mas sem sucesso, tirando uma família ou outra que conseguia repassar o imóvel para conhecidos. No geral, era um bom lugar para se viver, havia uma estação de metrô muito próxima, não se tratava de uma área tão violenta como as outras que tinham prédios parecidos como o em questão, e o fato de a velha ter sido encontrada morta, devorada por alguma criatura desconhecida, não um gato, não ratos, não, os dentes destes são muito pequenos para fazer o estrago que foi feito, enfim, o fato de a velha ter morrido como morreu não poderia ter muita coisa relacionada com o fato de o bairro ser um lugar seguro ou não, afinal, não havia, além dos assaltos e roubos nas redondezas até o Arouche, nada a temer, apenas coisas comuns no resto da cidade, mesmo em bairros considerados superiores e com um preço de aluguel ainda maior haveria de ter algo com o que se preocupar, diziam sempre os moradores do Vila Real. Os moradores procuravam enxergar a morte da velha como algo desconectado com a realidade em que viviam, ainda que algumas crianças e jovens da região comentassem uma coisa ou outra sobre histórias de encontros secretos durante a noite, gatos percorrendo os telhados em bando, desaparecimentos de objetos que sumiam de forma misteriosa, quase fantasiosa, diriam alguns. Há quem acreditasse também em bruxaria, que a velha era uma bruxa, mas veja, Dona Odete era uma senhora católica, não faltava uma missa de domingo, sempre com o terço na mão, isso, é claro, antes de a velhice deixar as pernas tão frágeis que as escadas haviam se transformado em perigo. Mas bruxaria… não, não Dona Odete, isso era coisa das crianças mais velhas que se estranhavam vez ou outra com os gatos, eram muitos, isso sim, sabe-se lá quantos… Uns cinquenta? Talvez até mais. E rondavam pelo prédio dia e noite, subiam nos telhados e descansavam, lambendo suas patas e observando o pátio com a vista lá de cima. Era uma visão boa, a que eles tinham, dava para ver toda a rua e também a de trás do prédio, o terreno baldio que havia na rua do lado e as janelas das casas e sobrados vizinhos. Curiosidade essa que as crianças mais velhas nutriam no decorrer da tardezinha, quando o crepúsculo se fazia erguido na vista do horizonte. Uma curiosidade um tanto mórbida, diriam alguns. E iam todos os garotos e garotas com seus binóculos a algum ponto do prédio para avistar as janelas alheias. Não no telhado, no telhado apenas os gatos, guardavam ali seu território quase como que sagrado ele fosse de fato. À noite os telhados ficavam tomados pelos bichos, de longe era possível ver os olhinhos brilhando mergulhados na escuridão como vagalumes numa mata cercada de toda a treva que uma noite sem lua pode oferecer. Talvez seja essa a razão pela qual Dona Odete havia ganhado a alcunha de bruxa pelas crianças mais velhas. E por isso então os misteriosos desaparecimentos de louças, roupas e outros itens sem valor aparente. Diziam as crianças mais ousadas que a velha mandava os gatos roubarem os objetos das pessoas para que assim ela pudesse fazer suas bruxarias, porque, sim, todo mundo sabe que é preciso ter em mãos um objeto pessoal da vítima para poder lançar qualquer tipo de feitiço sobre ela. E os gatos ganhavam outras formas quando adentravam os apartamentos alheios, havia quem acreditasse que podiam se transformar em qualquer coisa que fosse, até mesmo ganhar a forma de um humano, e que, caso você se deparasse com um gato metamorfoseado numa figura humana, havia três jeitos muito simples de saber se tratava-se de um ser humano legítimo ou não. Primeiro: era preciso observar a sua postura; gatos na forma humana estavam sempre com a coluna ereta, tal qual um garçom desses restaurantes da Oscar Freire. Segundo: deveria se atentar quanto aos olhos; um gato conseguiria facilmente se transformar em um ser humano, mas seus olhos jamais se transformavam junto, então o contato visual era extremamente necessário. Terceiro: pergunte qualquer coisa para saber o que ele dirá, desconfie do silêncio; um gato, mesmo que na forma humana, não pode de forma alguma falar, ele simplesmente não sabe como. Feito isso, seria muito fácil saber quem era de fato uma pessoa. As crianças mais novas, quando ouviam isso de seus irmãos e irmãs mais velhos, chegavam a desconfiar de qualquer um. A garotinha que morava no apartamento doze chegou até mesmo a desconfiar da própria mãe depois que ela fez uma cirurgia plástica. Vejam só essas crianças! E pra que a pobre da Dona Odete vai fazer alguma coisa pra prejudicar alguém? Ela é sempre tão boa. Nunca tratou ninguém de forma diferente, sempre muito amável. Mas os desaparecimentos misteriosos nunca foram desvendados. São os gatos, diziam as crianças mais novas também. Já outros acreditavam que se tratava apenas de crianças pregando alguma peça, o que muitas vezes elas de fato faziam. Quem não quer um bode expiatório? Diziam os pais no almoço de domingo no meio do pátio, que agora eram cada vez menos frequentes. Parece que com o passar do tempo as vidas começaram a ficar cada vez mais privadas, os moradores conhecidos iam se mudando para outros lugares, e novos iam surgindo, reclusos, antipáticos, de cara amarrada, e depois se mudavam também e novos moradores surgiam; universitários com suas turmas barulhentas, uma nova república, os filhos de antigos moradores que iam embora mais cedo ou mais tarde, deixando assim os apartamentos vagos. Ninguém quer alugar essa merda! E, com o tempo, o lugar foi se tornando uma espécie de antiguidade no meio do bairro. E desde a morte de Dona Odete, nada mais de gatos e de seus passeios nos telhados, fato que intrigou não só as crianças, mas também alguns adultos, que se questionavam para onde os bichos poderiam ter ido já que eram tantos. O estranho de tudo, que só as crianças notaram, é que os sumiços de objetos continuaram acontecendo, mesmo sem Dona Odete e seus gatos.