“O Deserto da Meia-Noite” já está disponível

Meu novo livro, o romance “O Deserto da Meia-Noite”, está sendo lançado hoje nos formatos impresso e digital. Foi um processo lento desde a concepção da ideia até aqui – mais de dois anos. Eu nunca tinha levado tanto tempo para escrever alguma coisa, e quase que eu me vi abandonando o projeto no meio do caminho. De alguma forma, acreditei que existisse ali algo de urgente, coletivo ou pessoal, que precisasse ser concretizado. Por vezes batia um receio quase inconsciente de que eu pudesse morrer antes de tudo ficar pronto. Mas o livro está pronto e eu ainda estou aqui.

Não sei se consegui fazer disso o que eu queria de fato fazer, mas estou satisfeito porque aproveitei tudo o que estava ao meu alcance no momento. Acabou se tornando algo muito próximo, e agora já não é mais meu. Então peço que leiam, e se puderem, divulguem, compartilhem, porque foi um trabalho e tanto até aqui. E mesmo que a escrita para mim seja um hobby que eu levo a sério, algum propósito isso haverá de ter algum dia.

Sinopse: Uma tempestade atinge uma aldeia de pescadores, mergulhando o lugar numa escuridão que dura sete dias. Após a passagem da tempestade, um nevoeiro circunda a aldeia, impedindo qualquer um de entrar ou sair dali. O medo retorna quando, todos os dias, sempre à meia-noite, criaturas saem do nevoeiro e invadem o lugar para se alimentar de seus moradores. Temendo pelas próprias vidas, um grupo se organiza a fim de encontrar uma forma de proteger a aldeia. Nesse cenário está Arlo, no limite de seus dezoito anos e de suas inseguranças e sentimentos por Bruno, um rapaz que parece ser o único a entender seu desespero em fugir daquele lugar.

Para quem comprou os exemplares impressos na pré-venda, os livros já estão sendo enviados. Infelizmente não há mais nenhum comigo. E a versão digital já está disponível <<<<<<AQUI >>>>>>

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O Deserto da Meia-Noite (pré-venda)

O meu livro “O Deserto da Meia-Noite” está entrando em pré-venda hoje e vai até o próximo domingo, 4 de outubro. Ele estará disponível nos formatos impresso e digital. Quem comprar a versão impressa (40 R$) receberá o exemplar após o dia do lançamento, que será 30 de outubro. Para quem fizer a compra do e-book, o arquivo será enviado no dia do lançamento diretamente para o kindle.
Adquirindo o livro impresso na pré-venda, você contribui com os custos da impressão, além de receber no seu e-mail, gratuitamente, o e-book do livro.

Além disso, você pode comprar, junto do livro, meus dois outros livros, “O Deus Cadela” (2018) e “O Amor Vagabundo” (2016), com um desconto especial.

O link para isso tudo está AQUI.

Trecho de “O Deserto da Meia-Noite”

            Foram sete dias dentro da tempestade. Sete dias entre a treva e o som do inferno – se ele existisse. Não há razão para um inferno se ele está vazio, as árvores sussurram. Não há razão para muita coisa; talvez para tudo exista uma quantia, ainda que pequena, de uma ausência muito grande de razão, uma obsolescência que perdura e não se gasta, viaja tranquila no tempo e se desmancha para renascer num fazer de sentidos contrários que se comungam em perfeição, assim, como se fosse um nada ressignificado, sem criar esboço nenhum para um possível entendimento. E naquele dia foi tudo assim; obsolescência, um sem sentido, as nuvens cobrindo o céu. E de repente, atravessando a escuridão, vindo por cima como num ataque de ave de rapina, a tempestade sobranceira dos vórtices de vento, e a terra se fez coisa pouca, pequena prece nas bocas; não havia nada a ser feito, nada que pudesse ser pensado ou dito. Os clarões se sobrepujavam em força às nuvens, que pareciam muito pesadas se fossem vistas de perto. E foram caindo, água e treva, todas juntas num só instante, e só pararam no fim de sete dias. Nesse período, as casas da aldeia ficaram fechadas e seus moradores, acuados, mantinham-se com os ouvidos à espera de uma trégua, como se esperassem o fim de uma batalha que há muito se combatia no front. As luzes se apagaram em certo dia e assim ficaram até que o céu estivesse limpo outra vez. Foi como se não houvesse dia nem noite, apenas um lugar fora da Terra, fora do Tempo, como se a vida existisse num outro canto do universo, numa esfera observável por um ser superior à gravidade. Nem mesmo o sussurro das árvores se fazia ouvir, era como se até mesmo elas se escondessem da treva e da água, recolhendo seus caules rijos e suas folhas verdolengas. E um misterioso sinal de fuga corroeu o todo à vista, qualquer que fosse a palavra a ser dita, a realidade a ser penetrada e observada. O chão, o céu, e também o espaço entre os dois se tornaram uma única coisa, uma escuridão que emitia um falso brilho escarlate quando um estrondo quebrava em vórtice. Alguns moradores da aldeia pensaram ser o fim, que tudo seria engolido e que só o pó restaria para contar o que havia acontecido ali.

            Arlo ficou preso na padaria com o pai. Estava segurando a pulseira da irmã que pegou do quarto da mãe naquela manhã. O silêncio costurava as bocas como é costurada a pele dos cadáveres. A negação dos olhares perdeu sua tensão quando a luz elétrica se foi, logo no primeiro dia, e Arlo pôde respirar fundo. Havia alguma coisa secreta e dócil existindo no escuro, um sopro que acalentava e punha a carne para dormir dentro da vida, como se ali, no escuro, pudesse a liberdade ter sua fome alimentada com o apagão das entrevidas, dos sentidos navegáveis pela culpa, de todas as dores que existiam quando os olhos se cruzavam e pulsavam doentes, imensos no fundo da vida. Então a respiração desacelerou, a pulsação atravessada escolheu um lado e as pontadas na nuca cessaram com a cabeça firme na parede. Arlo roçava os braços nas coxas e secava o suor como uma criança inventada já no fim da adolescência. E estava tranquilo pela primeira vez desde que a tempestade abriu sua bocarra sobre a aldeia. Seu pai bufava e rezava uma oração incompreensível. Arlo não se preocupou, manteve-se quieto em um canto do estabelecimento e tentou não fazer nenhum som. Seu pai, algumas vezes, dizia seu nome, perguntava como ele estava, mas não dizia nada além do que algum instinto primevo lhe concedia. E Arlo agradecia, abraçado na escuridão, ao imutável sentido do obscuro, à presença que esmagava mas como se esmaga uma fruta madura, ou um dedo esmagando um bolo estufado e fofo. Na casa da família, a mãe do rapaz chorava em sua prece tresloucada, rompia-se em lágrimas atropeladas pelo desespero, negando o pensamento de que tudo estaria perdido desde o início, como sempre esteve em sua vida. Arlo não pensava na mãe, nem no pai em sua frente, nem em qualquer que fosse a pessoa inventada ou sistematizada em sua mente. E por vezes era visitado pelos espíritos das fossas do bardo primeiro. Ele sentia o cheiro, ouvia sons que interpretava como o resgate de esperança dada pela morte. E se inventava isso. Mas os sussurros que antes, ao ir buscar figos no mato, ouvia, nada mais, nem mesmo centelha de vida, púrpura, rosácea, mentiras feito segredos, era só ilusão de uma vertigem que se escondia da queda, irrefutável, que não se reduzia na sua existência. Era, sim, o espírito de tudo aquilo que evitou a vida, e Arlo estendia a mão. O pai perguntava o que era aquilo, que era loucura, e o garoto não dizia nada, escutava, sorria no escuro. As silhuetas se faziam grotescos sons como esboço. O pai também ouvia, mas Arlo não sabia explicar. Eu não sei. Eu não sei. E outra vez o pai perguntava. São os espíritos que cavalgam a noite que estão pensando que é noite lá fora porque tudo se uniu numa só coisa, céu e terra se apertando e se esfregando como dois sexos se espremem em mãos e bocas e línguas de fome e desejo, secreções do inatingível. Eles estão buscando um chão para segurar enquanto sobrenadam nesse meio-nada-tudo que se perde no escuro. O pai rezava novamente o incompreensível saindo de sua boca. Arlo chorava mas os dentes à mostra, ainda que brilhassem e não se mostrassem, mordendo o escuro. Por fim conseguiu dormir, depois de dois dias acordado. No sonho, os vultos tinham a forma da água deslizando na restinga e a escuridão não se mostrava, mas sim um translúcido raiar de caras, os olhos pendurados e vivos, as bocas falando mas nenhum som. E Arlo se lembrava da irmã, ela está sentada a seus pés, olha para cima e reluz no sonho todas as lembranças enganchadas no anzol da memória, como se lá do fundo desse oceano negro as pequenas coisas que se fazem muitas sobressaíssem e festejassem a ida à superfície. E tudo se transmutava como se estivesse inerte dentro de uma outra realidade, uma sombra de toda inconsciência. De repente Arlo já nem sabia para que direção olhar, e se podia olhar, se tinha olhos de fato para ver o indizível. O que estava fora da vista eram os mesmos aqueles vultos, e ao mesmo tempo figuras obscenas se criavam nas lantejoulas da fronte absurda do sonho, como se caíssem os todos sentidos e sobrasse o susto. No de dentro, uma saudade de esticar a mão e querer puxar de volta para cá, para este, o que está preso à vida. Mas um estrondo do outro lado da janela absorveu Arlo em realidade outra vez. Ele esfregou os olhos, mas nada à vista ainda, apenas o negrume do interior da padaria. Escutou seu pai roncando em algum canto do lugar. Também ouviu um chiado do lado de fora, um ruído muito parecido como aquele que a crispação das águas no mar faz quando uma rajada de vento corta a linha entre a superfície respirável e o grossudo azul. Os mortos tomaram as ruas, o pai de Arlo disse cortando o silêncio no interior da padaria. Tá escutando esse barulho? São eles passando. Até parece que vieram buscar a gente. E por que essa fúria tamanha? o garoto pensava e logo decidia perguntar ao pai, mas este voltava a roncar e a balbuciar no sonho.

            Quando o sétimo dia chegou ao seu fim, as casas ainda se mantiveram fechadas até que houvesse a certeza por parte dos moradores de que a tempestade havia realmente se dissipado no céu. Já do lado de fora das casas, quando seus olhos se ergueram para as nuvens, os moradores perceberam a presença de uma fina faixa de céu por entre nuvens esparsas e que dançavam leves em direção à linha do mar. O chão das ruas estava coberto de lama e areia. Alguns pontos ainda estavam cobertos de poças não muito fundas mas que impediam a passagem de pedestres. Havia também, no meio das ruas, pedaços de madeira, objetos avulsos, telhas quebradas, galhos de árvores e pedaços de portas e janelas. Mas nenhum som vinha do alto. Era apenas o silêncio sendo consumado aos poucos pelas pessoas que iam saindo de suas casas e verificando as ruas, trocando palavras com seus vizinhos, investigando seus carros e seus quintais, limpando suas varandas, tentando entender o que havia acontecido ao longo daqueles sete dias. E não recebiam nenhuma resposta elucidativa em troca, apenas aquele silêncio dos céus. Então perceberam que os cachorros haviam ido embora, os gatos não corriam pelas ruas e telhados. No alto das árvores, o som de nenhum pássaro, nem mesmo as galinhas se ouvia. E os porcos? As vacas? Também não havia sinal algum deles. Pela tarde, quando os pescadores foram à orla da praia, notaram um vasto silêncio sobre as águas, o mesmo que sondava a aldeia. E perceberam que esse mesmo silêncio nadava debaixo d’água. Ao atirarem as redes ao mar, retornavam vazias, nem mesmo as algas boiavam. Era um silêncio de morte, lustroso como o mar sem ondas. E foi isso que pensaram, que estavam mortos, que haviam morrido durante os sete dias que a tempestade esteve ali e que agora estavam presos num limbo entre a vida e a morte, ou mesmo um purgatório, um lugar fora da vida, uma realidade sem sentido. Foram eles, vieram buscar a gente, dizia alguém no meio da rua, Eu ouvi eles gritando, de dentro lá de casa deu pra ouvir direitinho, Pois é, vieram atrás da gente, Se vieram atrás de nós, como é que a gente ainda tá aqui? A gente não tá mais aqui, parece que tá, mas nós não tá, É claro que não, levaram tudo, e a gente foi junto, Foi Deus castigando a gente tudo, por todo os nosso pecado, enfim veio levar a gente, Mas não levou pra lugar nenhum não porque a gente ainda tá aqui, Eu escutei tudo também, vieram fazendo uns barulho esquisito, Se a gente tá morto porque é que dá pra sentir tudo? É assim que se sente quando tá morto é?

E levantavam teorias dezenas do que poderia ter acontecido durante e depois, ali, no agora. No entanto, eram apenas perguntas, nada mais. Alguns homens foram procurar as vacas e os porcos no canto dos quintais e, não encontrando nenhum sinal deles, decidiram procurar pela mata pois acreditavam que os animais haviam se assustado com a tempestade e fugido em meio às árvores. Caminharam com facões e cordas abrindo caminho na mata como se a desbravassem. As árvores estavam estranhamente estáticas, o silêncio aludia ao de um cemitério abandonado. O único som que se podia ouvir era o dos facões cortando o que estava no meio do caminho. Temerosos do que não se ouvia, e também do que poderia ser visto, os homens andavam como que em direção a uma possível batalha contra um ser tão misterioso que não podia ser humano. De repente se criou teorias de que eram coisas de outro lugar que não desta vida. Mas não se falava muito enquanto caminhavam. Estavam atentos a qualquer ruído que não fosse provocado pelo facão em suas mãos, essas que tremiam como as de uma criança dentro da noite, perdida de sua mãe, de seu quarto no interior de uma casa conhecida. Não parecia o mesmo lugar, a mata, as próprias árvores. Era estranho para aqueles homens como tudo o que sempre esteve ali agora pudesse ser outra coisa. Foi então que, depois de alguns minutos mata adentro, começaram a respirar um ar mais gelado que o natural para aquela época do ano, ar este que os foi mergulhando numa cerração que progredia sua espessura a ponto de se transformar num nevoeiro tão denso como o sangue coagulado de um golpe. E logo estavam imersos naquela brancura. Sem saber de onde vinham e para onde estavam indo, acabaram se perdendo uns dos outros e não demorou muito para se desesperarem. Começaram a correr num surto progressivo. Pensaram estar ouvindo coisas, ou até mesmo vendo algo se mover no meio do nevoeiro. Alguns conseguiram retomar o caminho que fizeram e retornaram à aldeia, outros ninguém soube para onde foram e até então continuam perdidos. Quando os que retornaram enfim chegaram à aldeia, consumiu-se um pânico ainda maior. Outros homens pegaram seus carros e cogitaram sair dali. Tentaram usar os telefones, mas os aparelhos não funcionavam normalmente. Não havia nem mesmo luz elétrica em nenhum ponto da aldeia. Temerosos de algo ainda maior, outros moradores pegaram os carros e foram em direção à estrada. Andaram menos de dez minutos até perceberem que o mesmo nevoeiro também se fazia ali. Os pescadores entraram em suas canoas e remaram até um ponto do mar que também se encontrava com o nevoeiro. E perceberam naquele instante que até mesmo as ilhargas ao longe não eram possíveis de serem avistadas do lugar de onde antes sempre podiam ser vistas. O céu parecia não se mover. Nenhuma vida. Apenas um silêncio amortecido e o nevoeiro sitiando a aldeia. Meu deus, estamos mortos.